Desde março, o governo de João Lourenço apresentou uma nova proposta legislativa que visa controlar o que é dito nas redes sociais. Intitulada "Proposta de Lei sobre a Disseminação de Informações Falsas na Internet", a iniciativa surgiu através do Ministério das Telecomunicações, Tecnologias de Informação e Comunicação Social (MTTICS).
O conteúdo da proposta chama atenção pelo seu alcance surreal: até mesmo um habitante de Marte que publique algo considerado falso e com efeitos em Angola pode ser processado e condenado segundo o texto legal.
A legislação proposta concede ao Estado angolano autoridade para investigar, julgar e punir qualquer pessoa, esteja onde estiver no universo, se o conteúdo compartilhado tiver repercussão dentro do país — mesmo que não trate diretamente de Angola ou de seus cidadãos.
Para ilustrar os possíveis abusos da norma, imagine-se o caso de Venâncio Mondlane, figura política moçambicana da oposição, utilizando as redes sociais para mobilizar manifestações contra o governo da FRELIMO.
Por conta da ligação histórica e ideológica entre FRELIMO e MPLA, tal ação poderia ser interpretada como ameaça à segurança nacional angolana. Assim, Mondlane poderia enfrentar até uma década de prisão em Angola, mesmo sem atuar diretamente no país.
Censura com retorno financeiro
A proposta representa não só uma tentativa de calar críticas, mas também de gerar receitas para os cofres públicos. O foco recai principalmente sobre quem denuncia a corrupção, o desemprego, a fome e o colapso dos serviços públicos. Para o governo, os reais culpados pela instabilidade institucional não são os responsáveis pela má gestão, mas os que usam as redes para denunciar o estado do país.
Neste contexto, a estratégia parece clara: responsabilizar as redes sociais. A proposta prevê multas milionárias para empresas como Google, Meta (Facebook, WhatsApp, Instagram) e outras plataformas populares. Elas podem ser obrigadas a pagar até 35 mil salários mínimos, o que representa cerca de 2,7 milhões de dólares.
Além disso, essas empresas terão que criar estruturas próprias dedicadas ao combate à desinformação em Angola, reportar métricas detalhadas de conteúdo considerado falso e manter equipes específicas para lidar com as exigências do governo angolano. Mesmo provedores de sites e blogs hospedados no exterior, se não seguirem a lei, podem enfrentar sanções severas.
Na prática, o objetivo parece ser inviabilizar o funcionamento dessas plataformas no país, caso se recusem a cumprir exigências desproporcionais e, muitas vezes, impraticáveis.
Punições desproporcionais e definições vagas
A proposta prevê o encerramento forçado de plataformas digitais em caso de violações ou reincidências. Também estabelece penas de até dez anos de prisão para cidadãos que compartilhem conteúdos classificados como "falsos" e que, segundo o governo, prejudiquem a ordem pública ou questionem resultados eleitorais.
Críticas a líderes políticos também são visadas: quem reencaminhar mensagens que afetem a "honra" dos governantes poderá ser condenado a até oito anos de prisão. Já os meios de comunicação e websites enfrentam multas astronômicas, podendo ultrapassar 350 anos em valores acumulados.
A grande questão permanece: o que é, afinal, "informação falsa"? A definição trazida pela proposta é circular — diz apenas que são conteúdos deliberadamente falsos, enganosos ou manipulados, destinados a prejudicar ou enganar o público. Ou seja, uma definição que se explica por ela mesma, sem clareza ou critérios objetivos.
Essa ambiguidade é perigosa. Notícias falsas podem abranger desde erros jornalísticos não intencionais até sátiras ou críticas políticas. Em tempos de polarização e desinformação generalizada, identificar objetivamente o que é falso se torna um desafio técnico e político.
Tomemos como exemplo a recente controvérsia sobre os supostos 20 milhões de dólares destinados à compra de bandeiras para a celebração dos 50 anos da Independência. A informação foi primeiro confirmada por um ministro e, depois, desmentida por outro. Qual dos dois seria enquadrado como autor de fake news? A resposta não é simples — e é justamente isso que torna a proposta tão perigosa.
Um ataque disfarçado à liberdade de expressão
Embora a proposta se apresente como um esforço para proteger o espaço informativo e combater a desinformação, sua essência é outra: trata-se de um ataque frontal à liberdade de expressão, garantida pela própria Constituição angolana.
A verdadeira prioridade do governo, ao que tudo indica, não é a verdade ou a integridade da informação pública, mas o silenciamento de vozes críticas ao regime. Em vez de corrigir os problemas estruturais do país, o governo opta por perseguir quem os denuncia — mesmo que esses mensageiros estejam fora das fronteiras nacionais, ou fora do planeta.
