Caso clínico: apuração dos factos determinará se houve negligência médica no Hospital Militar de Maputo

 




Um caso envolvendo um paciente do Hospital Militar de Maputo, de cujo abdômen foi retirado um pano com inscrições da referida unidade, levanta a possibilidade de erro médico. O jurista Paulo Sousa esclarece que, para haver responsabilização penal, é essencial identificar quem foi o autor do ato, de modo a avaliar se houve negligência, omissão ou falha médica.


Em conversa com o jornal Carta de Moçambique, o jurista frisou que a responsabilização penal é de natureza individual. Ele salientou que qualquer responsabilização — seja civil, penal ou disciplinar — depende de uma análise dos factos e da verificação de provas.


No campo civil, Sousa explica que a legislação prevê compensações por danos materiais ou morais, desde que se prove a existência de dolo, ação voluntária, nexo causal e consequência do ato. Todos esses requisitos devem estar presentes para que a responsabilidade civil seja atribuída. Neste tipo de situação, a entidade empregadora do profissional — no caso, o hospital — pode também ser responsabilizada solidariamente.


Caso se comprove que o pano foi deixado por descuido durante a cirurgia, caberá determinar a quem exatamente se deve o erro: cirurgião, anestesista, instrumentista ou outro membro da equipa. Esses procedimentos são regidos por normas rigorosas, incluindo inventário de instrumentos e verificação ao final da cirurgia, práticas cuja omissão pode ser indício de falha grave.


Sousa destacou que o pano pode ter sido utilizado para estancar uma hemorragia, com o profissional acreditando tê-lo removido. Contudo, o não cumprimento dos protocolos de segurança cirúrgica é o que caracteriza o erro ou negligência.


Além das dimensões penal e civil, existe a responsabilização administrativa, guiada pelo código deontológico da profissão médica. Esta prevê sanções que vão desde advertência até à demissão, dependendo da gravidade do ocorrido.


O jurista criticou ainda a postura da Ordem dos Médicos, que classificou o caso como uma situação normal ou de emergência. Para ele, tal justificação é inaceitável, visto que existem métodos modernos e seguros para controlar hemorragias sem recorrer a materiais improvisados que possam ser esquecidos no corpo do paciente.


Também foi abordada a composição de comissões de inquérito, que, segundo Sousa, muitas vezes carecem de imparcialidade por serem formadas por membros da mesma instituição. Ele defende a autonomia do Serviço de Medicina Legal e da Anatomia Patológica para garantir uma investigação independente.


Se a negligência for confirmada, o Hospital Militar, por ser uma instituição pública, poderá ser responsabilizado pelo Estado, o qual deverá compensar a vítima. No entanto, existe o risco de parcialidade, já que os investigadores pertencem ao mesmo sistema estatal que está sob escrutínio.


Por fim, o jurista apontou que a escassez de denúncias e processos se deve à fraca cultura jurídica, ao desconhecimento dos direitos dos pacientes e à ausência de legislação específica sobre erro médico em Moçambique. O único dispositivo legal relevante é o artigo 181 do Código Penal, que trata de lesões causadas no exercício da profissão médica e isenta o profissional de culpa se este tiver esgotado todos os recursos disponíveis — o que é conhecido como "iatrogenia".


Sousa encerra sua análise destacando que, devido às dificuldades estruturais do sistema de saúde, responsabilizar médicos mesmo em casos graves continua a ser um desafio. Levanta até a possibilidade de o incidente refletir um protesto silencioso das condições precárias enfrentadas pelos profissionais de saúde.

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