Faleceu na última terça-feira, nos Estados Unidos, aos 84 anos, o filósofo, linguista e escritor congolês Valentin-Yves Mudimbe (1941–2025). Sua produção intelectual foi fundamental para o pensamento africano moderno e influenciou amplamente os estudos sobre o continente nas últimas décadas.
Professor emérito da Universidade de Duke, nos EUA, Mudimbe foi um pensador versátil que transitou por áreas como filosofia, literatura, sociologia, antropologia, linguística e história. Com um legado intelectual robusto, destacou-se por questionar representações coloniais da África e por propor novas formas de compreender e estudar o continente.
Entre suas obras mais influentes está A Invenção da África (1988), na qual analisa como o conhecimento sobre a África foi construído a partir de perspectivas coloniais e eurocêntricas. Mudimbe defendia a valorização dos pensadores africanos e a necessidade de uma abordagem crítica e independente sobre a realidade africana.
O percurso e pensamento de Mudimbe
Em artigo publicado logo após sua morte, a filósofa Nadia Yala Kisukidi destacou o impacto de Mudimbe no pensamento contemporâneo. Nascido no Congo logo após a independência do país, ele percorreu a Europa e se estabeleceu nos Estados Unidos, onde encontrou espaço para desenvolver seu pensamento livremente. Sob o regime de Mobutu, sua busca por liberdade intelectual o levou ao exílio.
Mudimbe publicou romances, ensaios e artigos, como A Outra Face do Reino (1973) e O Odor do Pai (1982), antes de alcançar reconhecimento internacional com A Invenção da África. Nessa obra, ele analisa como a África foi construída como o "outro" do Ocidente — retratada como tradicional, oral, primitiva, enquanto o Ocidente era visto como moderno, escrito e desenvolvido.
Ele propôs que os africanos pensassem a si mesmos fora da lógica imposta pelos sistemas coloniais, desafiando a “biblioteca colonial” que transformou o continente em sinônimo de inferioridade. Para Mudimbe, a verdadeira liberdade exige romper com essas construções e criar um pensamento enraizado na própria experiência africana.
Último gesto de partilha: a doação de sua biblioteca
Em vida, Mudimbe refletiu também sobre o papel das literaturas africanas, contrastando entre aquelas baseadas na oralidade e as escritas em línguas coloniais. Ambas, segundo ele, têm valor, mas a segunda abre espaço para refletir sobre os dilemas do pós-independência.
Como gesto final, doou sua biblioteca pessoal, composta por mais de 8 mil livros, à Universidade de Lubumbashi, na República Democrática do Congo. Essa atitude simbólica reafirma seu compromisso com a transmissão do saber e com o futuro da produção intelectual africana.
